domingo, 4 de maio de 2008

Refundação da democracia portuguesa - preâmbulo




Nem de propósito, eis que sou surpreendido hoje pelo diário que já classifiquei neste blog como o porta voz de todo o «status quo» político de sempre, desde a ditadura aos nossos dias - o Diário de Notícias.

E é surpreendentemente numa sua edição, e não na de outro qualquer diário ou semanário, que pela primeira vez desde há muito vejo noticiada e analisada, quase que em contra-corrente, a extraordinária influência numa democracia representativa moderna de uma das suas mais importantes componentes - o exercício pleno e consciente da cidadania.

Tão importante que tomarei este mesmo texto como base e início de uma série de artigos que aquí se iniciarão sobre o actual estado da nossa democracia, dos efeitos negativos que advêm do afastamento dos cidadãos da política em geral e dos "políticos" em particular.

O artigo do Diário de Notícias, sem outros comentários, aquí fica como preâmbulo e para que os possíveis e desejáveis leitores o possam interiorizar na sua actualidade e importância.

"Democracia portuguesa é das piores da Europa - JOÃO PEDRO HENRIQUES

A qualidade da democracia portuguesa está longe de se comparar às melhores democracias europeias. Ao invés, encontra-se bastante abaixo da média, situando-se ao nível de países como a Lituânia e a Letónia, e só acima da Polónia e da Bulgária.

As conclusões são da Demos, uma organização não governamental (ONG) britânica que tem por principal objectivo "pôr a ideia democrática em prática" através, por exemplo, de estudos. A Demos divulgou no final de Janeiro um "top" de avaliação da qualidade democrática em 25 países da UE denominado "Everyday democracy index" (EDI, cuja tradução possível será "index da democracia quotidiana"). Trata-se de uma avaliação sofisticada que envolve mais itens do que o normal em avaliações deste género. O escrutínio não se fica pelos aspectos formais da democracia (eleições regulares, por exemplo). Vai mais longe, avaliando o empenho popular na solução democrática dos seus problemas e, por exemplo, a qualidade da democracia dentro das relações familiares. Os resultados quanto a Portugal contrastam, por exemplo, com o último Democracy Índex mundial divulgado pela revista britânica The Economist, e relativo a 2007.

Nessa tabela (ver DN de 5 de Abril), Portugal aparece classificado em 19º lugar (no mundo), posição que sobe para 12º quando vista apenas entre os 27 países da UE.

No EDI, Portugal está em 21º lugar, ficando apenas à frente da Lituânia, da Polónia, da Roménia e da Bulgária. Vários países que até há poucos anos orbitavam no império soviético encontram-se melhores classificados, segundo este "top" (ver gráfico*)

O que se passa então com Portugal? Olhando para o gráfico (*), percebe-se a resposta: de um ponto de vista da democracia formal, Portugal fica em 14º lugar, acima de países como a Espanha ou a Grécia ou a Itália. O que puxa a democracia portuguesa para baixo são os outros critérios.

Por exemplo: a participação. Aqui a posição portuguesa desce para 19º lugar. Ou seja, as instituições políticas formais estão pouco cercadas de associações cívicas que as escrutinem. Um aspecto inovador do estudo da Demos é o que avalia também a "democracia familiar". Tenta perceber-se em que países há mais direitos para cada um escolher a estrutura familiar. Entre os 25 países analisados, Portugal ficou em 21º. No cômputo geral, a Demos concluiu o que já se intuía: há um claro padrão geográfico na qualidade das democracias. Os países nórdicos são os melhores. As democracias vão-se fragilizando à medida que se desce no mapa europeu. Os países protestantes tendem a ser mais abertos que os católicos.

Verificou-se, por outro lado, que não há uma relação directa entre a qualidade formal da democracia e a qualidade da democracia quotidiana, que é tanto aquela que se exerce numa assembleia de voto como aquela que se pratica na reunião familiar onde se decidem as férias do Verão."

(*) Não incluidos gráficos na transcrição deste artigo
Veja seguidamente: Refundação da democracia portuguesa - parte 1

2 comentários:

osátiro disse...

Por acaso, a Eslováquia é um país católico, foi satélite soviético e está onde está.
Idem para a Eslovénia.
A Baviera é profundamente conservadora e católica e é das regiões mais desenvolvidas da UE; e também com índices altos de "democracia".
Creio que a "religião" não é critério nenhum.
De resto concordo.

Anónimo disse...

A referência à religião dos países analisados assume um papel pouco relevante, que só é mencionado numa simples frase.
Contudo, neste blog não há assuntos «tabu», e tudo nele se pode abordar e discutir.
Vem a propósito o resultado agora dado a conhecer sobre a opinião dos portugueses sobre sexualidade.
E também "as ideias feitas" que os opinion makers tentam fazer passar como certas hoje, mas que evoluiram naturalmente com a sociedade.
Sejamos claros, nem os países ditos protestantes o são tão arreigadamente como antes, nem Portugal é hoje um país profundamente católico como o pintam. Nem a própria Espanha.
Há muito cinismo no que a isto se refere, a começar pela maneira mais ou menos cómoda como cada um vive a sua religiosidade. Só este tema daria, ou pode dar se os leitores assim o desejarem, para vários «posts»!
Porque temos de começar por algum lado e considero muito abrangente e urgente o exercício pleno e consciente da cidadania no nosso País, é este o tema chave da «saga
da refundação da nossa democracia», a qual se encontra num impasse muito sério que não podemos deixar sòmente nas mãos dos carreiristas políticos!