segunda-feira, 5 de maio de 2008

A importância da classe média no desenvolvimento


O jornal Público de 02.05.2008 apresenta um artigo, assinado pelo jornalista Jaime Fidalgo, com um título sugestivo - "O fim da classe média?", baseado na tese apresentada por dois autores italianos e certamente na constatação das implicações negativas que a globalização acarretou para os países que não souberam, ou não quiseram, adaptar-se a tempo face aos desafios que a mesma colocava. Segundo o mesmo,
"A tese dos autores italianos Massimo Gaggi (jornalista do “Corriere della Sera” em Nova Iorque) e Edoardo Narduzzi (empresário das novas tecnologias) é interessante.

Eles crêem que a economia global está a acentuar o fosso entre os ricos e os pobres e, em consequência, a assinar a certidão de óbito da classe média.

Os autores começam por enquadrar esta tendência segundo uma perspectiva histórica. Na sua opinião, a ascensão da classe média surgiu após a Revolução Industrial com a emergência de duas novas classes: a operária e a intermédia (composta por empregados, burocratas, pequenos empresários, profissionais liberais, etc). Foi esta última – a classe média – que deu origem ao “baby-boom”, ao Estado Social e à produção em massa. Hoje, como vaticinaram economistas famosos como Neal Rosenthal e o Rudi Dornbusch, a classe média entrou em declínio. Em seu lugar está a emergir uma gigantesca “classe sem contornos definidos”, que agrupa todas as pessoas excepto os muito ricos (caso dos “novos milionários do capitalismo”, os “aristocratas e os “tecnocratas do conhecimento”) e os muito pobres (que inclui as pessoas com baixo poder de compra dos países mais desenvolvidos e a grande maioria da população dos países do Terceiro Mundo).

Entre elas, está uma enorme massa indistinta de pessoas, com rendimentos médios ou baixos, que deseja consumir mais e agora tem acesso a bens e serviços outrora apenas reservados aos mais abastados. Os autores chamam a este fenómeno a sociedade “low cost”. Nesta sociedade, o poder passou do lado do produtor para o do consumidores (que “exigem” mais qualidade ao baixo preço). A sociedade “low cost” é simbolizada por marcas que “democratizaram o consumo” como a Ryanair, IKEA, Wal-Mart, Skype, Zara ou Google. Ao longo do livro, os autores advertem que a tendência do “fim da classe média” será potenciada no futuro com o aumento do poder de compra em países como a China, Índia, Brasil, Rússia, Turquia e África do Sul. E explicam quais serão as suas consequências, por exemplo, ao nível da falência do modelo de Estado Social e das políticas sociais dos Governos e das empresas. O capítulo final é dedicado à Itália (os autores lastimam o facto de serem as multinacionais norte-americanas – como a Starbucks e a Pizza Hut – que estão a tirar partir da “globalização” de dois ícones da cozinha transalpina: o café e a pizza)."
Aínda segundo Jaime Fidalgo,
"A tese do livro é atraente. Ninguém duvida que o fosso entre ricos e pobres está a aumentar. E que hoje os consumidores preferem ter, ao mesmo tempo, mais qualidade e baixos preços. De facto, a célebre distinção de Porter entre “diferenciação” e “low cost” faz menos sentido – como provam o sucesso de marcas como a Ryanair, Ikea, Zara ou Google que oferecem as duas vantagens competitivas ao mesmo tempo. Mas isso é mau ou bom para os clientes? E significa que a classe média está a diminuir ou a aumentar? Não há estudos que dizem que os consumidores são camaleões – até os mais abastados viajam em executiva quando estão em trabalho e em “low cost” quando estão em família?"

Ao ler o artigo e suas conclusões, bem como a crítica de Jaime Fidalgo, fica-nos um certo amargo de boca quer por afirmações do próprio estudo, quer por conclusões no mínimo enviesadas e de alguma ligeireza de análise por parte do jornalista. E vejamos porquê.

Quanto ao estudo em sí, ele faz uma correcta descrição da génese do que se considerou «classe média» até ao início da «globalização», bem como das mais valias que a mesma acarretou para o desenvolvimento dos países desde a revolução industrial. A constatação de que a economia global está acentuar o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é evidente, assim como a actual composição destes estratos sociais mas já se me afigura desajustado afirmar que tal facto estará (necessàriamente) a assinar a certidão de óbito da classe média.
É claro que uma imensa massa de pessoas que outrora não tinha capacidade financeira para usufruir de bens e serviços normalmente considerados mais ao alcance dos mais abastados anseia e consegue obtê-los hoje, mas à custa do extraordinário aumento de concessão de crédito por parte da «banca» e à difusão perfeitamente generalizada dos cartões de crédito.
E é conhecido o nível de crédito mal parado com que o bancos se têm de debater hoje em dia, a quantidade de famílias endividadas até ao último cêntimo e o aumento exponencial de leilões de habitações cujas prestações não foram pagas em devido tempo. A actual crise mundial, para além da do petróleo, tem por base todo este processo de crédito de alto risco concedido nos EUA para compra de habitações por parte de quem não tinha condições para tal.
Isto faz com que não seja verosímel crer no poder de uma dita massa indistinta de pessoas com médios ou baixos salários a exigirem "qualidade" nos produtos.
Tanto mais que as empresas apresentadas como exemplo de "qualidade a baixo custo" são simplesmente de "baixo custo". A título de exemplo, a RYANAIR é uma empresa do transporte aéreo que se designa a sí própria de "Low Cost" e sem outras pretensões que não sejam permitir o transporte do maior número de passageiros por voo, com separação entre filas exígua, com um serviço de bordo caracterizado por refeições tipo snack do mais espartano possível, com um serviço de handling subcontratado a preço de saldo e com voos regulares sòmente em linhas de grande afluxo de turismo barato.
Considerar o IKEA outro exemplo de "qualidade a baixo custo" é outro sofisma. O IKEA caracteriza-se a si próprio pela inovação, o modernismo e esencialmente pelo "Low Cost".
Quanto ao Wal-Mart, só por piada e quem nunca entrou num dos seus armazéns pode considerar existir "qualidade" nos seus produtos.
Apressado em comentar "ao de leve" o estudo em causa, Jaime Fidalgo perdeu a oportunidade de referir e talvez dizer ao nosso (des)governo que, tal como então, o progresso não nasce de um nivelamento «por baixo», mas sim da criação de condições que propiciem o aproveitamento dos mais aptos para serem os motores da mudança imposta pela globalização a um País sem recursos naturais, que não produz o que come, que exporta essencialmente produtos de baixo valor acrescentado, que não consegue incorporar inovação na maior parte dos produtos que produz e que, nem no Turismo aposta na qualidade em vez da quantidade. Vejam-se os packs de turismo para o Algarve comprados em Inglaterra que permitem a qualquer inglês "de meia tigela" viajar na Ryanair e passar uma semana no nosso País com tudo pago, incluindo pensão completa, por pouco mais de 300 euros!
Para finalizar gostaria de dizer ao jornalista Jaime Fidalgo que a realidade tem mostrado que o Porter que conheço, aquele ao qual foi encomendado um estudo sobre oportunidades para a nossa economia e que disse esta coisa espantosa - exportem os vossos produtos tradicionais, mas com incorporação maciça de "qualidade" e para nichos de mercado precisos, continua a ter razão. Na altura, alguns dos nossos aprendizes de «carreirismo político» riram-se, talvez porque a tradicional mania das grandezas dos portugueses os fazia crer que bastava uma discussão de café e o assunto estava resolvido!
Caro Sr Jaime Fidalgo, já que de produtos sem qualidade e a baixos preços já temos o País invadido graças às lojas chinesas, acredite que nos faz falta a "diferenciação" de Porter, a qual implica "qualidade, valor acrescentado para grupos de consumidores exigentes. Ok ? E "consumidores camaleões" são consumidores que se não deixam «fidelizar», mudando constantemente de fornecedor. Os seus camaleões, que viajam em executiva quando vão em trabalho e em "low Cost" quando vão em família, normalmente podem ter quatro nomes - "Quadros de empresas", "Altos Funcionários da Administração", "Deputados" ou "Membros do Governo". Alguns destes últimos até têm amigos com jacto particular que os convidam para umas férias nas suas casas!!!

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