domingo, 20 de abril de 2008

Sete cães a um osso

"Num enorme areal de uma praia portuguesa virada a Sul, estavam dois pequenos ´povos´ sensivelmente da mesma dimensão.
Um deles, o «malhado», apoiava os cotovelos nos joelhos e olhava fixamente o horizonte, perdido nos seus mais profundos pensamentos... que saudades tinha do seu velho Pai «sebastião», desaparecido há séculos, e que lhe garantia a sensação de segurança que só um braço forte e dominador pode dar. Até ao momento, nenhum dos candidatos ao poder na selva o tinha feito esquecer «sebastião», nem mesmo «salazarengo», o mais duradouro...
O outro, cinzento, «abstenção», estava languidamente deitado na areia, aproveitando os últimos raios de sol desse fim de tarde.
No cimo da colina sobranceira ao areal, várias «hienas-rosa» emitiam os seus riso-choros característicos e todas seguiam com deferência e submissão a «hiena-rosa» chefe, que aparentava grande impaciência face ao que se estava a passar na base da colina a algumas centenas de metros.
Aí, eram perfeitamente visíveis àquela distância vários «cães-laranja» raivosos que lutavam entre si e que simultâneamente atacavam com violência um dos elementos da matilha, mordendo-lhe as patas e o pescoço, o qual já se esvaia profusamente em sangue alaranjado. A determinada altura, uma das furiosas dentadas conseguiu mesmo arrancar com violência uma das patas do «cão-laranja» que estava a ser atacado pelos seus próprios companheiros, a qual foi projectada à distância. O ataque continuava e as «hienas-rosa» estavam cada vez mais agitadas, todas olhando com expectativa o seu chefe.
Como todas as hienas, «rosa» ou não, as suas características principais em relação aos outros predadores eram a cobardia e o oportunismo, o que fazia com que só se atrevessem a descer à base da colina em grupo e sempre recuando quando eram afrontadas.
Mas o forte cheiro a sangue que emanava da base da colina e os diversos pedaços do «cão-laranja» atacado, que já se espalhavam pela zona, tornavam o chamamento forte demais para ser ignorado.
Assim, lá foram descendo em grupo até à base da colina e pouco a pouco, sempre fugindo às eventuais arremetidas dos raivosos «cães-laranja», iam roubando os pedaços de carne tão ansiosamente invejados.
Conseguiam comer parte no próprio local, deixando os ossos abandonados aos ataques contínuos dos furiosos «cães-laranja».
Ao longe, e observando com indecisão toda a cena, via-se um pequeno grupo de «linces-azuis-do-caldas», espécie em vias de extinção, os quais se interrogavam sobre o que fazer, já que em tempos tinham tido óptimas relações com todos os «cães-laranja», incluindo o que estava agora a ser atacado. Juntos, e por várias vezes, tinham partilhado o controle da caça na região, nomeadamente contra as «hienas-rosa», mas a verdade é que a situação, embora previsível face à inconstância da coesão dos «cães-laranja», cuja liderança era frequentemente posta em causa, aconselhava uma prudente espera para que pudessem verificar o resultado da refrega e então, uma vez definida, aparecerem como apoiantes indefectíveis do vencedor, no sentido de aínda poderem vir a evitar a sua mais que anunciada extinção e aínda colherem alguns frutos da disputa. Por isso se mantinham expectantes, com o seu chefe atento à situação e à planície que se espraiava para além da colina por terras de além-Tejo.
Como recentes auto-proclamados defensores dos lavradores dessas terras, até então dominadas pelos «dinossauros-vermelhos», viam-nos agora ao longe em reunião e tomando decisões não se sabe sobre o quê, em votação de pata no ar.
Nessa altura, «malhado» é interrompido bruscamente nos seus pensamentos por uma pequena picada na sua malha verde, o que o obriga a coçar a zona em busca do «pulgão-verde» que aí se instalou e que age em conluio com os «dinossauros-vermelhos» e a malha do seu «Braço-Esquerdo».
Acordado da sua letargia pelo movimento brusco de «malhado», e já com os últimos raios de sol a desaparecerem no horizonte, «abstenção» levanta-se e diz:
Bom, o melhor é irmos para casa pois deve estar a começar o jogo ! E lá seguiram, lado a lado, em direcção ao sofá onde iriam praticar desporto durante a próxima hora e meia !"

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