segunda-feira, 31 de março de 2008

A medicina, as religiões e a ética

São já longínquos os tempos das verdadeiras «vocações» que levavam os jovens a abraçar determinadas profissões que, obrigando a longos e difíceis anos de formação, conduziam finalmente a uma recompensa mais espiritual do que monetária.
Eram disso exemplo a dedicação eclesiástica e a formação em medicina, ambas associadas ao bem mais precioso que temos - a saúde e a vida.
Não admira pois que os portugueses de então vissem o exercício de ambas as vocações como uma certa intermediação com Deus, a medicina como medida tendente a atrasar o fim do percurso terreno - a morte, a Igreja como medida de atenuação da pena divina após a mesma !
Na sua essência, a maneira como os portugueses de hoje lidam com o assunto é muito semelhante, mas com adaptações «práticas» que os tempos modernos ditaram.
Nos dias de hoje
, e apesar de cinicamente se afirmar que os portugueses são maioritàriamente católicos, a verdade é que a prática religiosa e a vocação eclesiástica estão em perfeito declínio face à total materialização da vida actual.
E no que se refere ao exercício da medicina, passou-se de uma «vocação» para o investimento numa profissão altamente lucrativa
, desde que se esteja disposto a dedicar mais anos de estudo do que outra licenciatura alternativa, seguidos de um período também mais ou menos longo de salário mediocre até se atingir o "estrelato".
Tudo se passa ao contrário dos heróis dos tempos modernos - os jogadores de futebol
. Aqueles que têm jeito começam logo pelo "estrelato" aos 18/20 anos, ganham fortunas com benefícios fiscais adequados à presunção de que a sua profissão só difìcilmente pode atingir os trinta e poucos anos e, caso tenham juizo e alguém que vá gerindo bem os seus proveitos, podem construir verdadeiros impérios de cujos lucros irão viver muitissimo bem após os tais trinta e tal anos.
Hoje em dia, em Portugal são já muito poucos os padres
(ou pastores, etc., se nos referirmos a outras Igrejas que não a católica) que baseiem a sua actividade numa verdadeira «vocação evangélica». São disso excepção os missionários ao longo de todo o mundo, pelos quais nutro a maior admiração e respeito.
Por cá, estamos no tempo das igrejas fechadas
alegadamente com medo dos assaltos, dos padres com ordenado fixo (parece que aínda não têm sindicatos...), das missas ditas «económicas», pois que a sua frequência à sexta feira à tarde vale por todo o fim de semana e permite assim que os paroquianos possam ir para a praia ou outro local mais agradável "totalmente isentos de pecados" até ao início da semana seguinte !
Por cá
, e para além daqueles que se acomodaram no percurso e que se arrastam penosamente nos Centros de Saúde públicos sem condições, estamos também no tempo dos chamados «turbo-médicos». Aqueles que começam o seu dia com uma actividade hospitalar pública onde mal olham para os seus doentes contribuintes de taxas moderadoras, seguem pela tarde com uma actividade nos vários hospitais privados agora existentes e cheios à custa dos diversos seguros de saúde actuais e terminam o seu dia de trabalho nos seus consultórios particulares cobrando a quem pode 100, 200 ou 300 euros por consulta de especialidade.
São os mesmos que, há 15 anos, perguntavam aos doentes se queriam recibo ou não pois o preço era diferente para cada caso !
Infelizmente os "João Semana" estão em extinção em Portugal !

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