segunda-feira, 31 de março de 2008

A medicina e a ética às avessas

Alguns dos portugueses alegadamente mais qualificados de uma classe profissional do País não político parece que resolveram entrar em concorrência directa com os disparates destes e virar os princípios e a ética que deveriam reger a sua actuação totalmente às avessas, em proveito próprio e sem a menor sombra de vergonha !
Trata-se da classe médica, representada pela sua Ordem profissional, e de uma alegada Associação Portuguesa de Bioética.
Para quem tenha lido o meu artigo anterior sobre o estado actual do exercício da medicina em Portugal - "Medicina, religiões e ética", o que agora se passa não constituirá certamente novidade pois a subversão total de princípios que agora mostram as entidades acima citadas, pela boca dos seus representantes, não é mais do que um corolário do mesmo.
Assim, e citando
"A Associação Portuguesa de Bioética, pela voz do seu presidente Rui Nunes (também director do serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), não vê qualquer razão para que as mulheres que têm os seus filhos em serviços de saúde públicos não possam escolher se preferem tê-los de parto natural ou cesariana. Mais do que isso, o grupo de especialistas entende que permitir esta escolha acaba por ser uma medida de justiça social e uma forma de pôr cobro às «disparidades exitentes» entre as possibilidades oferecidas às grávidas que recorrem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e às que são acompanhadas em regime privado . Neste momento existe uma «desigualdade gritante» o que não é éticamente aceitável."
Por sua vez, o presidente do colégio da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, Luis Graça, vai mais longe:
"se uma mulher pode chegar ao pé do médico e dizer que quer que lhe ponham as maminhas mais altas ou mais baixas, por que razão não há-de dizer que não quer passar pelo trabalho de parto e quer que lhe façam uma cesariana ? Ao assinar o consentimento, a mulher vai partilhar os riscos da intervenção cirúrgica, maiores que no parto vaginal (hemorragia, infecção...)"
Todos sabemos que nos serviços privados existe hoje em dia um número exagerado de cesarianas (superior a 60%), que têm certamente mais a ver com os maiores honorários médicos associados a este procedimento e com a maior possibilidade de programação da actividade dos próprios clínicos do que com a opção consciente das próprias grávidas ! É de todos conhecida uma certa pressão clínica sobre as mesmas.
Por outro lado, e em contraponto desta percentagem no sector privado, a percentagem de cesarianas verificada no sector público em Portugal durante 2006 foi de 32%, acima da média dos países da União Europeia.
Tendo em conta que o nível desta última percentagem não é de modo a poder supôr-se que não foram feitas cesarianas que seriam necessárias no sector público, nada mais se pode inferir que não seja a desmesurada e desavergonhada ambição da classe médica a motivar tais posições.
Isto, mesmo reconhecendo Luis Graça que a intervenção cirúrgica acarreta mais riscos para as grávidas do que o parto natural. E escamoteando totalmente o facto de ser normalmente utilizada a «epidural» de modo a minorar o sofrimento do parto !
Senhores licenciados em medicina e cirurgia envolvidos nesta posição, tenham é um mínimo de VERGONHA !
Não se esqueçam de que a vossa posição de «intermediários-intocáveis» entre os Homens e Deus cada vez está mais fraca. Nunca houve tantas queixas sobre a actuação da classe médica nem tantos processos disciplinares, criminais e cíveis.
E aconselhem a vossa Ordem profissional a não escamotear as actuações dos vossos colegas infractores através do bloqueamento e branqueamento dos diversos processos disciplinares em curso, pois deste modo serão todos metidos no mesmo saco o que não considero justo !

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